5.23.2011

O abraço de Sophie


























A dimensão mais dilacerante de In Treatment liga-se ao facto do próprio processo de terapia traduzir um aspecto relacional onde a maior ou menor abundância de palavras equivale a uma escassez de contacto físico. Em nenhuma personagem esse aspecto é tão comovente como em Sophie (e nunca será exagerado elogiar a extraordinária composição de Mia Wasikowska, hoje já figura incontornável do cinema americano: a australiana Mia filmou entretanto com Tim Burton, com Lisa Cholodenko, com Gus Van Sant e com Rodrigo García).
Bem cedo na série, quando Sophie usava ainda os dois braços engessados, chega uma tarde à terapia com a roupa ensopada da chuva. É a mulher de Paul que a irá ajudar a mudar para uma roupa seca, e num instante de maior proximidade física a rapariga abraça-a. Alguns episódios mais tarde, no decorrer de uma sessão em que Sophie chorou permanentemente e mostrou a Paul as consequências de uma séria irritação de pele de origem nervosa, foram vários os momentos em que a afectividade dos dois se manifestou em olhares, gestos mínimos, silêncios, interjeições, sem que o analista ou a paciente fizessem o movimento que o espectador sentia estar iminente.
O abraço não chegou a acontecer, talvez porque na fase em que a terapia se encontrava pudesse significar o recuo para uma zona de protecção que o espaço das consultas deixa de ser quando tem início a cura. É como se fosse necessário pôr a ferida a descoberto e depois deixá-la arder para que cicatrize. O abraço que muitos desejariam ver naquele episódio seria como que voltar a tapar a ferida. O aspecto dilacerante manifesta-se ao vermos que a ferida arde na proporção em que a terapia dói, apesar da empatia que rodeia as personagens e também o espectador. A intimidade constante de In Treatment é o que a torna viciante.

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