4.28.2011

O fio de Arianna

De quando vi O Quarto do Filho da primeira vez, aí por 2001 ou 2002, recordo a observação de alguém que estimo dizendo que o cinema de Nanni Moretti parecia ter-se aburguesado. Gostei do filme nessa altura, embora sem entusiasmos de maior. Reencontro-o uma década depois e acho-o maravilhoso. Hoje tenho outra capacidade liberta de condicionalismos de vária ordem e percebo o quanto Moretti focou aqui as questões essenciais do que é viver. Viver é seguir em frente e aceitar o que nos acontece. Nada por acaso a personagem interpretada pelo realizador é a de um psicanalista que diariamente se confronta com a resistência dos pacientes em se libertar do que os prende ao passado fazendo-os infelizes. Pessoas que revivem certos aspectos das suas vidas até à exaustão; que se questionam e esperam demasiado delas próprias.















Também Govanni (o mesmo primeiro nome que Moretti que o usa abreviado para Nanni), após a morte acidental do filho, procurará reconstituir o dia fatídico com o propósito de o corrigir (em vão). Cada elemento da família cumprirá o luto à sua maneira, até à entrada em cena de Arianna, uma rapariga com quem Andrea, o filho morto, tivera uma paixoneta de Verão. E se a princípio Arianna parece representar a possibilidade dos pais recuperarem memórias de Andrea por intermédio da rapariga, logo nos apercebemos que a vontade de Moretti foi dar-lhe uma existência própria que resulta no trajecto que a família fará até à fronteira com a França, onde deixam Arianna e um amigo que com ela se propunha viajar à boleia, no que constitui a indicação subtil do movimento de Giovanni, da sua mulher e da filha de regresso à vida.

















Perante uma tragédia, seja particular ou geral, a receita é comum: enterrar os mortos e cuidar dos vivos. Cuidar de nós e do outros é dos nobres desígnios da vida. Tarefa aparentemente simples, como o curso do rio da canção de Brian Eno que se escuta por duas vezes quando nos encaminhamos para o final de O Quarto do Filho. O seu título, By this River; as suas palavras remetendo para o sentido da vida: porque aqui estamos, como viemos para aqui, com que intenção? A resposta do filme é dada com os pequenos gestos que sugerem aceitação. A chegada de alguma paz e a possibilidade da alegria. Quantos finais felizes vale isto?

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